segunda-feira, 28 de setembro de 2009

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segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Ser filha, mas não ter mãe: o legado existencial da perda materna na infância

Apresento aqui um breve resumo sobre os efeitos da perda materna na infância para o desenvolvimento da menina-mulher.

Este resumo deriva-se de um trabalho desenvolvido por mim e apresentado no Congresso Nacional de Gestalt-terapia em 2007, no Rio de Janeiro.

A linguagem utilizada neste trabalho baseia-se nos conceitos da Gestalt-terapia e pode ser um pouco complicada para o público não "psi".
Mesmo não sendo "psi", não deixe de ler! Muitas ideias ficarão claras para vocês.


Ser filha, mas não ter mãe: o legado existencial da perda materna na infância

A morte precoce de um dos pais traz conseqüências significativas para os filhos. Quando a morte materna precoce acontece, a filha irá receber um legado especial que se desdobrará repetidamente ao longo de seu desenvolvimento como filha sem mãe e como mulher. Este “espólio existencial” é herdado pela filha em função da forte relação que existe entre mãe e filha; relação esta que se distingue das demais díades familiares.

A Relação Mãe-Filha

Ser mulher é um conceito existencial que começa a ser desenvolvido primeiramente através da relação com a mãe e se desenvolve ao longo da vida.

A relação mãe-filha é uma das relações mais intensas que a mulher vivencia em sua vida e tem um efeito poderoso na forma com que ela se relaciona com ela mesma e com o mundo. Portanto, muito do senso de si da mulher evolui em grande parte a partir da relação com sua mãe (PILL & ZABIN, 1997). Ou seja, a relação mãe-filha é o ponto de partida para o desenvolvimento da mulher e, servindo de paradigma para todas as outras relações, esta díade relacional distingue-se das demais díades familiares por caracterizar-se como um poderoso processo mútuo e bi-direcional. Mãe e filha empreendem um crescimento em conexão.

A relação e interação mãe-criança é estabelecida a partir do momento da concepção e da gravidez e neste momento, a criança já é um ser singular e único por toda sua determinação genética (NOGUEIRA et al, 1997). Ao descobrir-se grávida, a mulher vivencia um dos momentos mais significativos em sua vida, que é tornar-se mãe. Todos seus anseios, desejos, expectativas e temores em relação à maternidade e a futura criança participarão nessa interação. Faz-se mister destacar que grande parte do que essa nova mãe define, espera e fantasia sobre maternidade foi construído na relação com sua própria mãe. E assim, tudo o que foi vivenciado com sua mãe servirá como pano de fundo para esta nova relação. Quando a mãe descobre-se grávida de uma menina, muitas expectativas, desejos e planos são feitos para essa criança e é a partir de todos esses elementos que a interação mãe-filha irá se desenrolar.

“Há uma longa e complicada história por trás de uma menina. Ela não só inclui o histórico pessoal da mãe, mas os papéis sociais, regras, tradições e expectativas que a mãe passa para filha como parte da tarefa que ela tem”. (Firman & Firman, 2005, pág)

Ao experimentar uma identificação maior com a filha, a mãe projeta-se na menina. Isto significa que ao olhar para a filha, a mãe vê a si mesma. Ao reproduzir-se, sentimentos acerca de si mesma que foram experimentados na relação com a sua mãe são projetados na menina. Ao relacionar-se com sua polaridade de menina e não com sua “filha real”, a mãe acaba por experimentar a filha como extensão e continuidade de si mesma (CHODOROW, 1978). Desta forma, a relação é marcada por confluência, pois as fronteiras entre mãe e filha não ficam claras e “em confluência, a pessoa demanda semelhança e se recusa a tolerar quaisquer diferenças” (PERLS, 1973, pág.39). Assim sendo, a mãe se vê na menina e espera que a filha seja como ela.

A filha, por seu lado, vive a dupla função da mãe: aquela que cuida e é a base de seu crescimento e o principal exemplo a ser seguido. A filha vê na mãe sua iminente condição de mulher (FIRMAN & FIRMAN, 2005).

A menina, ainda bebê, começa a aprender coisas sobre si mesma e seu ambiente por meio da relação com a mãe. Nesse primeiro momento cabe à mãe descobrir e atender as necessidades da filha, como também é a mãe quem diz a essa menina quem ela é. Ou seja, o desenvolvimento inicia-se através de introjeções totais “[...] A imagem é incorporada mais ou menos in toto” (PERLS, ano EFA: 195).

Esse processo de introjeção é, inicialmente, fundamental para a menina, pois além de ser totalmente dependente e com parcos recursos para lidar com suas necessidades e o mundo, ele é a base na qual a bebê irá construir o conhecimento a respeito de si mesma e de seu ambiente. Gradativamente, a bebê constrói uma fronteira de contato a partir dessas introjeções e começa a desenvolver a capacidade de “se perceber como um ser separado do outro, com necessidades próprias e recursos próprios para satisfazê-las” (AGUIAR, 2005: 77).

Conforme a menina cresce, seus recursos emocionais, físicos, sociais e cognitivos vão ampliando-se, o que leva a uma maior inserção social e uma maior independência e diferenciação. Progressivamente, a confluência inicial que marca a relação mãe-filha dará lugar a uma figura de apego que irá

“[...] servir de suporte e referência para a criança enfrentar momentos de desequilíbrio e desafios, para que ela possa obter recursos quando não se percebe capaz de fazê-lo por si só, com o objetivo de se reorganizar e continuar seu processo de forma autônoma”. (AGUIAR, 2005, pág. 78)

Como todo o desenvolvimento se dá em um campo sócio-cultural, este sofre as influências de seu meio. Assim sendo, as meninas experimentarão uma menor pressão social para separarem-se de suas mães, uma vez que ainda existem expectativas sociais para a mulher, tais como aquela que cuida, ajuda, cria (DIETRICH et al, 1999). E neste processo de separação e individuação, que é influenciado por fatores sócio-culturais, as meninas experimentam-se menos separadas de suas mães.

Mãe e filha mantêm, então, essa relação próxima enquanto a filha desenvolve sua identidade. Em função dessa identificação prolongada, as filhas se percebem mais como suas mães e irão, também, lutar ao longo da vida para se separarem de suas mães; o que gera períodos de conflitos, confluência e ambivalência.

Ao longo da vida, a filha empreenderá um contínuo processo de desenvolvimento de identidade e precisará, através de ajustamentos criativos, assimilar e rejeitar características, habilidades, competências do que é ser mulher. Inicialmente, esse processo acontece através da relação com sua mãe e a filha precisará experimentar e desenvolver a sua boa forma de ser mulher e tudo o que isso representa.

Com a morte materna precoce, todo esse processo ficará abalado e a filha terá que desenvolvê-lo através de caminhos alternativos, pois ela se desenvolve em um vácuo maternal (Edelman, 1994). Concomitantemente, a visão e experiência da mãe ficam congeladas nesse período de perda; a filha fica impossibilitada de assimilar uma experiência mais real da mãe: a mãe que briga, que sofre, que fracassa, que erra e acerta. Em função disso, há uma grande tendência à idealização da mãe. Para a filha, ela não perde a mãe real, ela perde a mãe perfeita e a principal figura de apego.

Ao longo da vida, a filha irá enlutar pela perda da mãe (idealizada), pela perda da vida que ela tinha e também por tudo aquilo que ela não viverá com a mãe.

O legado existencial da filha sem mãe também será influenciado pelo processo de luto e este, ocorre em um campo que geralmente atua de forma disfuncional em sua acomodação.

Luto

Perdas e, conseqüentemente, luto são aspectos inevitáveis da vida. O luto e o enlutamento são os meios pelos quais expressamos e acomodamos as experiências de perdas (Sabar, 2000).

O enlutamento - processo ativo e dinâmico de lidar com o luto - é um ajustamento criativo que significa adaptar-se ao que é, mudar-se e reorganizar o ambiente para que este se encaixe na nova realidade (Servaty-Seib, 2004) e que se desenrola no campo em que estamos inseridos. O objetivo final desse processo é a reorganização, o re-investimento de energia em si e no mundo. A polaridade interna e subjetiva do enlutamento é o luto e afeta as áreas afetiva, cognitiva, social e espiritual (Sabar, 2000). Para que o luto possa ser acomodado de forma funcional, fazem-se necessárias duas mudanças psicológicas: 1) reconhecer e aceitar a perda e 2) experimentar e lidar com as emoções e problemas que advém da perda.

Quando a morte materna acontece na infância, grandes desafios se fazem presentes no enlutamento infantil: aspectos do estágio de desenvolvimento, fatores familiares e sócio-culturais:

Aspectos do desenvolvimento: adaptar-se à perda exige elementos que as crianças não possuem: 1) compreensão total do que é morte; 2) linguagem e encorajamento para falar de seus sentimentos; 3) habilidade de mudar a dependência emocional do pai para si mesma antes de vincular-se a outra pessoa. Essas capacidades se desenvolvem e acumulam-se ao longo do crescimento, portanto, o processo de luto da criança é procrastinado e estende-se ao longo do desenvolvimento conforme suas habilidades emocionais e cognitivas amadurecem.

Fatores familiares: por acreditar que a criança não compreende a morte, por achar que será doloroso demais falar e reviver a perda e por querer proteger a criança do sofrimento, a família geralmente se cala e procura manter a vida o mais normal possível, pois a premissa é que elas sigam em frente com a vida. Ao calar-se, a família deixa de oferecer a oportunidade para que a criança viva o luto pela mãe e tenha suas necessidades emocionais atendidas. Isso trará diversas conseqüências para a menina e futuramente para a mulher. Torna-se um luto secreto e solitário no qual a menina não encontra validação para a magnitude de sua perda. Isso geralmente leva à introjeção de que a perda realmente não é significativa e, ao longo da vida, a filha não se permitirá sentir a falta da mãe. Entretanto, a dor, a tristeza, a raiva, a culpa permanecem ali trancadas dentro dela mesma e irão acompanhá-la ao longo de seu desenvolvimento e refletir em sua relação com o mundo e com as pessoas.

Fatores sócio-culturais: diversos aspectos sociais contribuem como desafio para o enlutamento, tais como: interdição da morte pela sociedade com vistas à preservação da felicidade (Ariès, 1977); crença de que crianças não compreendem a morte e, portanto, não enlutam; ausência materna também tratada como tabu, pois queremos acreditar que mães são imortais e visão social da mãe que representa conforto, segurança e proteção (Edelman, 1994); exigência social de seguir em frente; dificuldade da sociedade em lidar com enlutados (Parkes, 1998).

A conseqüência da atuação desses fatores é um processo de luto suprimido e inacabado, com sentimentos e necessidades não atendidas. Introjeções, projeções, confluência e isolamento permeiam a infância e, posteriormente, perduram como legado.

Legado existencial

O legado existencial da filha sem mãe é amplo e complexo, pois fundamenta-se no abandono (que é concreto), nos sentimentos de raiva, tristeza, desamparo, desesperança, medos, culpa e silêncios que iniciaram-se na infância. Ao longo do desenvolvimento da menina estas situações inacabadas não costumam ser trabalhadas, atendidas e ficam, muitas vezes, sem voz. O legado, composto por sentimentos advindos do luto suprimido, do abandono, da rejeição e da falta de maternagem, freqüentemente apresenta-se da seguinte forma:

- Raiva: presença de uma raiva difusa, não específica que é descarregada em diversos objetos/situações e que pode também ser direcionada as pessoas com uma vida “normal”, principalmente mulheres. Raiva reativa que é alimentada por um sentimento de que o mundo deve algo a ela. Como mulheres temos poucos modelos para lidar com a raiva e geralmente cedemos ao impulso de fingir que ela não está lá, portanto, dificilmente a mulher fará contato com a raiva;

- Isolamento e desconexão: são geralmente reforçados pelo fato de não poderem falar sobre suas mães (na família, com amigos etc);

- Transições e encerramentos fazem emergir a gestalt inacabada da perda: privadas da orientação da mãe ao longo do ciclo vital, transições e mudanças causam grande ansiedade e despertam sentimentos de abandono, vulnerabilidade, desconexão e desamparo (Edelman, 1994);

- Confusão e inadequação: confusas a respeito de si e seu lugar no mundo, confusão amorfa; sentimento de inadequação a respeito de suas habilidades, perda precoce parece plantar as sementes para o sentimento de incompetência (Pill & Zabin, 1997);

- Falta de valor: baixa auto-estima. Ninguém percebeu como eu me senti é introjetado como ninguém se importa; sentimentos da infância sobre si mesma que são carregados a idade adulta (situações inacabadas);

-Insegurança e medo: não acreditam que o outro pode permanecer disponível para elas; o mundo é perigoso; catastrofização de ocorrências cotidianas; medo de abandono e rejeição permeiam a vida; dificuldade em se comprometer com relações duradouras está diretamente ligada ao medo antecipado da perda;

-Memória e qualidade da relação mãe-filha: a experiência que as mulheres tem da relação com suas mães influencia o sentimento central de como se sentem sobre si mesmas: presença de um vazio que temem nunca ser preenchido; quando mais velhas e com poucas memórias sentem-se desconectadas da mãe e de partes de si mesmas.

Como a Gestalt-terapia pode contribuir?

O trabalho terapêutico com filhas sem mães precisa atender um processo de luto suprimido e inacabado que envolve primeiramente o desenvolvimento de awareness dessa gestalt em aberto. A partir desse ponto, será preciso trabalhar introjeções, expressão de sentimentos, atender necessidades, atualizar experiências, desenvolver auto-suporte e integrar polaridades para que a filha sem mãe possa alcançar um senso mais integrado e completo e de aceitação de si mesma.

O foco central do trabalho terapêutico é que a filha consiga viver com a perda ao invés de sob o legado da perda e que esta também possa ser uma companhia ao invés de um guia. Para tal, a filha precisa reconhecer e lidar com duas questões fundamentais: 1) ela é filha de sua mãe e, portanto, é preciso que ela encontre um espaço emocional e mantenha vínculo com a mãe falecida e 2) ela é uma filha sem mãe.

Apresentação Blog

Não ter mãe, seja por morte, abandono físico ou emocional, é uma experiência profunda e difícil; um vazio que parece que nunca será preenchido.

A presença materna é insubstituível, mas existem apoios alternativos que podem nos ajudar a viver melhor com essa perda única.

Meu objetivo é oferecer um espaço de informação, troca, compreensão e educação para:

  • filhas sem mãe;
  • famílias;
  • pais-maridos;
  • profissionais da área de saúde (principalmente psicólogos).

Espero que esse blog consiga dizer a todas as filhas sem mãe: Vocês não estão sozinhas! É também uma vontade de trazer esclarecimento, apoio e orientação a pais e famílias que estão passando ou passaram pela perda de uma mãe-esposa. Muitos dos efeitos negativos da ausência materna podem ser minimizados pelas atuações do pai e da família.

Todas as informações disponibilizadas no blog são fruto de pesquisas, estudos, teorias científicas. Elas são resultados da junção entre a minha atuação e formação como psicóloga e como filha sem mãe.

Juliana Wallig


Juliana Wallig